O juiz da 11ª Vara Criminal de Cuiabá, responsável pelo julgamento de crimes cometidos por militares, João Bosco Soares da Silva, deferiu o pedido da Corregedoria-Geral da Polícia Militar (CGPM) e determinou o compartilhamento de provas que compõem o caso dos grampos, para embasar a sindicância instaurada contra os coronéis Evandro Alexandre Ferraz Lesco e Ronelson Jorge de Barros, evolvidos no esquema que interceptou profissionais de várias áreas, adversários à gestão Pedro Taques (PSDB). A decisão é de ontem, 16.
A sindicância é a primeira etapa administrativa que pode culminar com a expulsão dos coroneis das fileiras da Polícia Militar. Caso as provas sejam suficientes para dar sequência às investigações, será aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que, caso seja julgado procedente, recomendará as punições pelas quais eles devem ser submetidos.
A Justiça já havia compartilhado as provas com a CGPM, mas o CD entregue não continha a cópia dos áudios dos interrogatórios de Lesco e Barros, nem das testemunhas 3º sargento Euclides Torezan e do cabo Gerson Luiz Ferreira Corrêa Júnior, ambos da Polícia Militar.
A portaria de abertura da sindicância cita, de forma resumida, como se deu a implantação dos grampos no estado de Mato Grosso. Num dos trechos, o documento cita que, durante encontro com o juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, da Comarca de Cáceres (219 km de Cuiabá), o coronel Zaqueu Barbosa, também apontado por envolvimento nos grampos, teria afirmado que gostaria de fazer “um limpa” na PM. “O juiz de Direito Dr. Jorge teria recebido uma visita do Cel PM RR [Reserva Remunerada] Zaqueu Barbosa, oportunidade em que o r. Oficial PM Superior teria afirmado possuir interesse em prender qualquer militar com desvio de conduta e, se prontificou a dar continuidade ao procedimento investigatório então suspenso. Dessa forma, em setembro de 2014, o juiz de Direito Dr. Jorge recebeu um relatório do Núcleo de Inteligência da PMMT para dar continuidade à investigação, de maneira que encaminhara o referido relatório ao Ministério Público que representou pelas interceptações telefônicas”, diz trecho do documento.
O relatório também cita que este foi com este pretexto que foi montado um escritório de inteligência para dar início às escutas clandestinas, que estamparam as manchetes nacionais.
No documento, também consta o suposto envolvimento de Lesco, apontado por ter comprado o equipamento utilizado para realizar as interceptações e pelo aluguel da sala utilizada como escritório de escuta. O equipamento custou R$ 24 mil, segundo a nota fiscal.
A sindicância aponta que Barros infringiu os comandos de determinar movimento militar sem ordem superior e falsificar documentos.
OS GRAMPOS
O escândalo das interceptações ilegais, conhecido por “Grampolândia Pantaneira”, ganhou as manchetes dos jornais em maio de 2017, quando o programa Fantástico, da Rede Globo, veiculou uma reportagem relatando que em Mato Grosso existia um esquema em que policiais militares interceptaram, ilegalmente, profissionais de diversas áreas, que seriam adversários do então governador Pedro Taques (PSDB). Foram grampeados políticos, advogados, jornalistas, médicos, juízes e empresários.
O fato se tornou público por meio de denúncia do promotor de Justiça, Mauro Zaque, que chegou a ocupar o cargo de secretário de Estado de Segurança Pública (SESP) na gestão Taques. Ele afirmou ter levado o caso ao conhecimento do então governador, mas Taques não teria tomado nenhuma atitude.
As interceptações eram realizadas num esquema conhecido por “barriga de aluguel”, onde os policiais incluíam os nomes de seus alvos, com nomes fictícios, em uma lista de investigação verdadeira. Quando esta lista era entregue a algum juiz, com o pedido de autorização para realizar as interceptações, o magistrado era levado a erro e acabava autorizando o ato.
O principal operador do esquema era o réu confesso, cabo Gerson. Ele era o responsável por operar e apresentar relatórios a seus superiores. Ele também foi o principal colaborar da Justiça para que os fatos fossem desvendados.
Há a suspeita ainda de que o primo do governador, o advogado Paulo Taques, que chegou a ocupar o cargo de secretário-Chefe da Casa Civil, esteja envolvido. Segundo o cabo Gerson, Paulo Taques entregou em suas mãos o valor de R$ 50 mil para bancar a instalação do esquema, em 2014, quando seu primo ainda era senador da República e candidato ao cargo de governador do Estado.
Também ventila-se a possível participação do ex-governador Pedro Taques, mas, até o momento, não há provas robustas de seu envolvimento no esquema. Ele segue negando sua participação.
Todos os envolvidos chegaram a ser presos preventivamente, para que não houvesse riscos às investigações, mas todos conseguiram sua liberdade. Até agora, ninguém foi condenado.
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